Crime tributário x Constituição do Crédito
A partir de quando um contribuinte pode ser responsabilizado por um crime tributário?
Vamos abordar, através deste post, a ligação entre o crime tributário e a constituição definitiva do crédito.
Se este assunto te interessa, nos acompanhe neste post.
Crimes tributários
Os crimes contra a ordem tributária foram criados pela lei 8.137/90.
Essa legislação dispõe sobre as condutas de quem busca suprimir ou reduzir tributo, contribuição social e qualquer acessório por meio ilegal.
Nos crimes de sonegação fiscal, a responsabilidade penal recai apenas sobre os agentes que empregam, de forma livre e consciente, fraude para fins de suprimir ou reduzir crédito tributário. Portanto, já podemos excluir desse crime, a modalidade culposa.
Não entendeu? Vamos explicar!
Dolo x Culpa
O dolo é a vontade consciente, intenção, a finalidade de realizar determinada ação.
Já a culpa, para fins penais, se dá quando o agente não quer praticar o crime, mas age com imprudência, negligência ou imperícia, em quebra do dever objetivo de cuidado, gerando a infração penal.
O dolo e a culpa se aplicam aos crimes tributários?
O dolo sim, pois trata-se da vontade, ou seja, intenção de praticar aquela infração, aquele crime.
Já a culpa, nesses casos, não. Ou seja, se a falta de recolhimento de um tributo ou até mesmo se o recolhimento for feito em valor menor que o devido por uma interpretação equivocada de dispositivo legal ou desconhecimento da lei, por exemplo, não há que se falar em crime.
O que queremos dizer com isso é que para a caracterização do crime é preciso que haja vontade livre e consciente de realizar a conduta proibida, seja de suprimir, reduzir, sonegar, etc, e isso caracteriza-se como dolo.
O Sócio de uma Empresa pode ser Responsabilizado?
É possível que o sócio de uma empresa seja responsabilizado pelo crime tributário, contudo, essa é a exceção. A regra é a responsabilização da pessoa jurídica.
Para que haja a responsabilidade criminal dos sócios e administradores é necessário que a autoridade fazendária noticie o Ministério Público sobre a prática de crime contra a ordem tributária.
Isso é feito através de uma “Representação fiscal para fins penais”.
Essa representação só pode ser feita após consolidado na esfera administrativa a existência do crédito tributário.
É neste ponto que começamos a abordar a importância da constituição definitiva do crédito para responsabilização penal.
Crime tributário x Constituição do Crédito
Pelo princípio da autonomia das instâncias, para que haja o desencadeamento da jurisdição penal, primeiro é preciso que aquele crédito tenha passado por todas as instâncias administrativas permitidas, para que não haja dúvidas sobre a sua constituição.
Hugo de Brito Machado nos ensina que:
“Nos crimes contra a ordem tributária tem-se, para a configuração do tipo, a necessidade de afirmação, pela autoridade administrativa competente, da existência de tributo devido, para que se possa no juízo penal afirmar a ocorrência da conduta consistente na supressão ou redução de tributo, e assim tipificado o crime.”
Imagine que um juiz penal determina nos autos que se configurou o crime de redução de tributo, porém, o crédito ainda não estava constituído definitivamente.
Nesse contexto, não houve respeito à competência da autoridade administrativa, portanto não há como confirmar se realmente existe ou não um tributo devido, elemento normativo daquele tipo penal.
Veja que nesse exemplo, a instância judiciária estaria invadindo a instância administrativa, pois é papel desta afirmar, após o devido processo, se realmente houve ou não a fraude.
A responsabilização pelo crime, este sim, poderá ser feito penalmente em juízo.
A constituição do crédito consiste em permitir que o contribuinte exerça o seu direito de esgotar todas as instâncias administrativas e os meios recursais cabíveis para defender os seus direitos.
No meio deste processo, o contribuinte poderá pagar a dívida, ou apresentar fatos e argumentos para que aquele débito seja extinto ou suspenso.
Por isso o processo administrativo, nesses casos, é fundamental.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica neste sentido:
“‘Habeas Corpus’. 1. Pedido de trancamento de inquérito policial. 2. Crime de sonegação fiscal. 3. A pendência do procedimento administrativo-fiscal impede a instauração da ação penal, como também do inquérito policial. Precedentes: PET (QO) nº 3.593/SP, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, unânime, DJ 2.3.2007; HC nº 84.345/PR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, unânime, DJ 24.3.2006; HC (AgR) nº 88.657/ES, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, unânime, DJ 10.8.2006; HC nº 87.353/ES, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, unânime, DJ 19.12.2006; e HC nº 88.994/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, unânime, DJ 19.12.2006. 4. Inquérito policial instaurado antes de devidamente concluído o procedimento administrativo-fiscal. Posterior encerramento da instância administrativa fiscal e a constituição definitiva do crédito tributário não convalida o inquérito policial aberto anteriormente. 5. ‘Habeas Corpus’ deferido.” (HC 89.902/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma).
“PROCESSO PENAL E PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. DELITO DE NATUREZA MATERIAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 1º DA LEI 8.137/90. IMPOSSIBILIDADE DE PROCEDER-SE A QUALQUER ATO DE CUNHO PERSECUTÓRIO PENAL ANTES DA FORMAÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. INTELIGÊNCIA DA DECISÃO PROFERIDA NA ADI 1.571, REL. MIN. GILMAR MENDES. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO STF. ENTENDIMENTO JÁ VIGENTE À ÉPOCA DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. E HOJE CONSOLIDADO NA SÚMULA VINCULANTE 24. ORDEM CONCEDIDA.
I Os delitos previstos no art. 1º da Lei 8.137/90 são de natureza material, exigindo, para a sua tipificação, a constituição definitiva do crédito tributário para o desencadeamento da ação penal.
II Carece de justa causa qualquer ato investigatório ou persecutório judicial antes do pronunciamento definitivo da administração fazendária no tocante ao débito fiscal de responsabilidade do contribuinte.
III O entendimento fixado na ADI 1.571 reafirmou a jurisprudência do STF no sentido de que a constituição definitiva do crédito tributário configura condição necessária para o início da ‘persecutio criminis’, sendo equivocada a interpretação do julgado em questão pelo primeiro e segundo graus de jurisdição.
IV Entendimento já pacificado por ocasião do recebimento da denúncia e, hoje, consolidado na Súmula Vinculante 24.
Ademais, a súmula vinculante nº 24 do STF dispõe que, “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”.
Portanto, pelo que já é pacífico, enquanto não ocorrer o lançamento definitivo, não se configura tipicidade penal, ou seja, não há o que se penalizar.